História da saudade
Nossa vida às vezes é como acordar de um sonho, tudo
passa muito rápido, nunca sabemos em que tempo estamos
vivendo
A primeira vez que vi a face desta cidade, foi quando
viemos de mudança do Rio de Janeiro para São José dos
Campos, tinha eu sete anos de idade, mas não consigo
me esquecer, das primeiras imagens que ficaram
gravadas em minha mente, o ônibus parou no terminal
rodoviário por volta das onze horas da noite, minha
família era numerosa, tudo era muito difícil, éramos
muito pobres, meu pai era um sujeito corajoso, mal
conhecia a cidade para qual vinhamos de mudança,
descemos do ônibus, meio assustados pois tudo naquele
momento era novidade, cruzamos a praça da matriz, no
centro da praça havia um imponente chafariz com luzes
coloridas, eu era muito pequeno não entendia muito bem
o que estava acontecendo, a princípio nada se parecia
com o lugar de onde nasci, tratava-se de uma cidade
pequena, mas tranquilizei-me, estava na companhia de
meus pais, qualquer lugar que eles fossem o lugar
seria o meu lugar.
Embora não conhecesse-mos ninguém na cidade, fomos
andando pelas ruas vazias, pois já era tarde da noite,
me lembro ainda do trajeto do ônibus circular que nos
levou para a casa de um amigo de meu pai, onde nos
hospedamos.
Ficamos muitos dias naquela casa distante do centro da
cidade, foi quando meu pai alugou uma casa num bairro
de periferia, as ruas eram sem asfalto, a casa era
modesta, não tinhamos muitos móveis, na verdade o
muito que meu pai tinha no bolso era dezessete
cruzeiros, que na época era pouco dinheiro, só dava
para comprar o gás de cozinha.
Para uns é preciso que um chicote entre na carne, mas
para nós a vida preparou um destino misterioso, com
dignidade meu pai foi caminhando com trabalho duro e
honesto, muitos ventos sopraram contra e a favor de
nossos preitos, com instinto de luz tudo foi
caminhando, várias circunstâncias nos fizeram mudar de
rota, embora obstinados pelo lugar ao sol, fomos
lançando ramas e assim criamos raízes, um feito para
quem tinha a fome como companheira numa terra
estranha.
No primeiro capítulo de nossas vidas o difícil não era
o possível, mas o que era impossível fomos superando
sem que a vida nos prometesse nada, sob os pés da
família as coisas foram clareando, chegamos em meados
de 1972, minha família era composta por três adultos e
sete crianças, a sorte havia sido lançada, meus pais
tinham uma certa perspectiva, tinham a intuição de que
a prosperidade viria ao nosso encontro.
Nos primeiros anos sentimos muito frio, pois não
tinhamos roupas adequadas para a estação, o inverno
naquele ano foi muito rigoroso, chegava a formar gelo
sobre a superfície das vidraças, sem falar na
quantidade de pulgas que havia pela casa e nos picava
a toda hora.
Cada um de nós lembra desta história de sobrevivência,
tudo foi longamente vivido, visto que existia uma
enorme união familiar, com apoio da família, meu pai
decidirá estudar, para ver se melhorava a vida da
família.
Os anos passaram-se, nem percebemos a chegada do
futuro, nestes tempos meu pai já havia se formado, meu
pai cursou a universidade de direito, mas passou por
muitos embaraços, não tinha dinheiro para comprar os
livros que precisava, então copiava toda matéria em
cadernos e gravava toda as aulas em fitas cassetes,
mas não desistiu do sonho.
Todos os finais de semana meu pai fazia carretos para
São Paulo, ele tinha uma Kombi velha, mal tinha tempo
para a família, nós os filhos o viamos muito pouco.
Foi a bravura que levou ao enfrentamento do destino,
que sempre impôs-se com muita força, mas não podiamos
esmorecer diante da única chance, na verdade
representa a completa extinção do nosso nome
propriamente dito, nada iria ficar para semente, só o
pó de nossos cadáveres, parece exagero, mas não fujo
uma linha dos acontecimentos.
Hoje em dia minha família já congrega com a segunda
geração, a família é bem maior, muita coisa mudou, o
pior ficou para trás, um novo ânimo se encarrega de
nos impulsionar rumo a um mundo menos cruel, onde tudo
será mais razoável, vencemos algumas batalhas,
deixamos entes queridos pela estrada, nossa primeira
perda foi de nossa matriarca, minha avó querida que
nos deixou há alguns anos, sentimos muita saudade, é
uma barra viver sem ela.
Todos os filhos têm suas famílias, esposas e filhos,
em conseqüência surgem problemas de convivência, mas
como resolver isso, quase impossível se chegar a um
denominador comum, pois trata-se de culturas e
costumes diferentes, o que seria do mundo se todos
fossem iguais.
Nunca passamos fome, porém ansiamos algo mais que
refeições quentes, algumas frutrações sempre se
encarregam em habitar nossos íntimos, na verdade
precisamos de alguns demônios, não podemos matar
todos, se não a criatividade vai embora.
Nossa vida às vezes é como acordar de um sonho, tudo
passa muito rápido, nunca sabemos em que tempo estamos
vivendo ou se amanhã ao abrir dos olhos talvez
deparemos com outra dimensão.
Por um instante passou um lampejo de lembrança, nele
ainda tinnha sete anos de idade e havia em mim algo
mais que inocência, uma certa satisfação, o que é
difícil explicar, uma sensação agradável de se estar
voando.
Alguma coisa ficou encarcerada no passado, alguma
divida carmica, não sei dizer ao certo, mas não
importa, sei que a cada dia tudo vai se transformando,
às vezes os fatos são flexíveis, mas não imutáveis,
mas nada os fará fora da compreensão se pudermos
tentar de novo.
Depois de muitos anos nesta terra, temos a certeza que
valeu a pena nossa aventura, sei que tem muito por vir
ainda. É difícil contar com detalhes todos os fatos,
mas fica registrado parte do fragmento histórico da
saga da família Planchez.
Marcelo Planchez é poeta e menbro da Irmandade Neo
Filosofica.