sábado, 25 de agosto de 2012

Reflexão


História da saudade

Nossa vida às vezes é como acordar de um sonho, tudo

passa muito rápido, nunca sabemos em que tempo estamos

vivendo

A primeira vez que vi a face desta cidade, foi quando

viemos de mudança do Rio de Janeiro para São José dos

Campos, tinha eu sete anos de idade, mas não consigo

me esquecer, das primeiras imagens que ficaram

gravadas em minha mente, o ônibus parou no terminal

rodoviário por volta das onze horas da noite, minha

família era numerosa, tudo era muito difícil, éramos

muito pobres, meu pai era um sujeito corajoso, mal

conhecia a cidade para qual vinhamos de mudança,

descemos do ônibus, meio assustados pois tudo naquele

momento era novidade, cruzamos a praça da matriz, no

centro da praça havia um imponente chafariz com luzes

coloridas, eu era muito pequeno não entendia muito bem

o que estava acontecendo, a princípio nada se parecia

com o lugar de onde nasci, tratava-se de uma cidade

pequena, mas tranquilizei-me, estava na companhia de

meus pais, qualquer lugar que eles fossem o lugar

seria o meu lugar.



Embora não conhecesse-mos ninguém na cidade, fomos

andando pelas ruas vazias, pois já era tarde da noite,

me lembro ainda do trajeto do ônibus circular que nos

levou para a casa de um amigo de meu pai, onde nos

hospedamos.



Ficamos muitos dias naquela casa distante do centro da

cidade, foi quando meu pai alugou uma casa num bairro

de periferia, as ruas eram sem asfalto, a casa era

modesta, não tinhamos muitos móveis, na verdade o

muito que meu pai tinha no bolso era dezessete

cruzeiros, que na época era pouco dinheiro, só dava

para comprar o gás de cozinha.



Para uns é preciso que um chicote entre na carne, mas

para nós a vida preparou um destino misterioso, com

dignidade meu pai foi caminhando com trabalho duro e

honesto, muitos ventos sopraram contra e a favor de

nossos preitos, com instinto de luz tudo foi

caminhando, várias circunstâncias nos fizeram mudar de

rota, embora obstinados pelo lugar ao sol, fomos

lançando ramas e assim criamos raízes, um feito para

quem tinha a fome como companheira numa terra

estranha.



No primeiro capítulo de nossas vidas o difícil não era

o possível, mas o que era impossível fomos superando

sem que a vida nos prometesse nada, sob os pés da

família as coisas foram clareando, chegamos em meados

de 1972, minha família era composta por três adultos e

sete crianças, a sorte havia sido lançada, meus pais

tinham uma certa perspectiva, tinham a intuição de que

a prosperidade viria ao nosso encontro.



Nos primeiros anos sentimos muito frio, pois não

tinhamos roupas adequadas para a estação, o inverno

naquele ano foi muito rigoroso, chegava a formar gelo

sobre a superfície das vidraças, sem falar na

quantidade de pulgas que havia pela casa e nos picava

a toda hora.



Cada um de nós lembra desta história de sobrevivência,

tudo foi longamente vivido, visto que existia uma

enorme união familiar, com apoio da família, meu pai

decidirá estudar, para ver se melhorava a vida da

família.



Os anos passaram-se, nem percebemos a chegada do

futuro, nestes tempos meu pai já havia se formado, meu

pai cursou a universidade de direito, mas passou por

muitos embaraços, não tinha dinheiro para comprar os

livros que precisava, então copiava toda matéria em

cadernos e gravava toda as aulas em fitas cassetes,

mas não desistiu do sonho.



Todos os finais de semana meu pai fazia carretos para

São Paulo, ele tinha uma Kombi velha, mal tinha tempo

para a família, nós os filhos o viamos muito pouco.



Foi a bravura que levou ao enfrentamento do destino,

que sempre impôs-se com muita força, mas não podiamos

esmorecer diante da única chance, na verdade

representa a completa extinção do nosso nome

propriamente dito, nada iria ficar para semente, só o

pó de nossos cadáveres, parece exagero, mas não fujo

uma linha dos acontecimentos.



Hoje em dia minha família já congrega com a segunda

geração, a família é bem maior, muita coisa mudou, o

pior ficou para trás, um novo ânimo se encarrega de

nos impulsionar rumo a um mundo menos cruel, onde tudo

será mais razoável, vencemos algumas batalhas,

deixamos entes queridos pela estrada, nossa primeira

perda foi de nossa matriarca, minha avó querida que

nos deixou há alguns anos, sentimos muita saudade, é

uma barra viver sem ela.



Todos os filhos têm suas famílias, esposas e filhos,

em conseqüência surgem problemas de convivência, mas

como resolver isso, quase impossível se chegar a um

denominador comum, pois trata-se de culturas e

costumes diferentes, o que seria do mundo se todos

fossem iguais.



Nunca passamos fome, porém ansiamos algo mais que

refeições quentes, algumas frutrações sempre se

encarregam em habitar nossos íntimos, na verdade

precisamos de alguns demônios, não podemos matar

todos, se não a criatividade vai embora.



Nossa vida às vezes é como acordar de um sonho, tudo

passa muito rápido, nunca sabemos em que tempo estamos

vivendo ou se amanhã ao abrir dos olhos talvez

deparemos com outra dimensão.



Por um instante passou um lampejo de lembrança, nele

ainda tinnha sete anos de idade e havia em mim algo

mais que inocência, uma certa satisfação, o que é

difícil explicar, uma sensação agradável de se estar

voando.



Alguma coisa ficou encarcerada no passado, alguma

divida carmica, não sei dizer ao certo, mas não

importa, sei que a cada dia tudo vai se transformando,

às vezes os fatos são flexíveis, mas não imutáveis,

mas nada os fará fora da compreensão se pudermos

tentar de novo.



Depois de muitos anos nesta terra, temos a certeza que

valeu a pena nossa aventura, sei que tem muito por vir

ainda. É difícil contar com detalhes todos os fatos,

mas fica registrado parte do fragmento histórico da

saga da família Planchez.



Marcelo Planchez é poeta e menbro da Irmandade Neo

Filosofica.









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